terça-feira, 31 de março de 2015

Incluir, não só sensibilizar

Publicado por Maria Célia Becattini

Entrevista com a coordenadora da Fundação Síndrome de Down Carolina Freire de Carvalho. Entidade luta para que pessoas com a deficiência sejam inseridas na sociedade

26/03/2015 - 17h02 - Atualizado em 31/03/2015 - 14h28 | Érica Araium
erica.nogueira@rac.com.br

O Dia Internacional da Síndrome de Down foi celebrado dia 21, data escolhida pelo simbolismo à trissomia do cromossomo 21 e instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006. Ela reforça a honrosa missão de entidades que acolhem, capacitam e prestam suporte às famílias: contribuir ao desenvolvimento desses indivíduos.


Uma das mais atuantes tem sede em Campinas, no distrito de Barão Geraldo, há quase 30 anos. De forma pioneira, a Fundação Síndrome de Down (FSD) vem promovendo o debate sobre diversas questões junto à sociedade, entre elas a revisão do conceito inclusão. “No foco das ações está o desenvolvimento das possibilidades e potencialidades das pessoas para a participação social, não suas deficiências”, situa Carolina Freire de Carvalho.

À frente da coordenação da entidade há cerca de um mês, a psicóloga e mestre em psicologia escolar pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas revela que a FSD está prestes a fomentar, por meio de novo projeto, a conquista da autonomia das pessoas com Síndrome de Down (SD) e outras deficiências que frequentam o espaço. Atualmente, 30 dos 180 usuários já são preparados para atuar no mercado de trabalho. Conversamos com a representante sobre os 30 anos da entidade e os avanços rumo à inclusão e para longe de qualquer rastro de preconceito.

Metrópole – Quando a fundação se constituiu e quantas pessoas, hoje, são atendidas?
Carolina Freire de Carvalho – A fundação nasceu a partir da idealização de sonhos de um grupo de pais que, acreditando nas capacidades das pessoas com SD, ofereceram a seus filhos um espaço educacional e terapêutico integrado, onde o indivíduo fosse considerado em sua totalidade. Hoje, a fundação atende a 180 pessoas, com idades de zero a 50 anos com SD e outras deficiências intelectuais. Nos últimos cinco anos, houve a valiosa contribuição de profissionais internacionais relacionados a temas que envolvem a deficiência intelectual, como Carlo Lepri, psicólogo de Gênova, integrante do Serviço Público de Saúde italiano. Ele trouxe um novo olhar sobre as capacidades da pessoa com deficiência. Já a Fundação Catalana Síndrome de Down auxiliou na estruturação dos serviços atuais da instituição.

Desde a veiculação da campanha que trazia como protagonista Carlinhos, um menino com síndrome de Down, em 1998, parece que houve uma maior sensibilização da sociedade em relação ao tema. Concorda?
Acredito que temos que avançar para além da sensibilização. Só com a convivência e com a verdadeira inclusão das pessoas com deficiência nas diversas esferas sociais (escola, saúde, lazer, trabalho etc) promover-se-á a mudança de paradigma. Não podemos continuar sensibilizando; precisamos agir.

A sociedade está mais apta a conviver com quem tem a SD e disposta a incluir, de fato?
Infelizmente, nossa sociedade ainda não está aberta a conviver com as diferenças, sejam elas de ordem cultural, social, econômica, sexual etc. Ainda são muitos os desafios, mas estamos avançando. Vemos crianças e adolescentes com Síndrome de Down nas escolas regulares, nos clubes, passeando com as famílias, em espaços públicos de convivência e trabalhando, algo impensável há 30 anos.

Quando falamos em autonomia, resvalamos na questão educativa e ainda anterior à frequência escolar. Procede?
Uma das barreiras que impedem a pessoa com deficiência de participar ativamente da sociedade está ligada à dificuldade de construir uma identidade própria conhecendo seu corpo, suas origens, seus desejos e participando ativamente da construção de sua vida. A FSD possui serviços relativos à infância, à escola, ao lazer e ao trabalho, sempre com grande preocupação no desenvolvimento da identidade do indivíduo. Estamos empenhados em construir, também, serviços para apoiar nossos usuários e suas famílias na questão da sexualidade e da moradia independente. No foco das ações está o desenvolvimento das possibilidades e potencialidades das pessoas para a participação social, não suas deficiências.

A fundação contribui à formação profissionalizante de que maneira?
Os serviços de formação e inserção no mercado de trabalho estão organizados em três: curso de iniciação ao trabalho, estágio de formação e contratação CLT. O trabalho é a via pela qual as pessoas têm acesso ao mundo dos adultos e esse processo exige a construção de novas formas de relação e comunicação. Vivenciar essa realidade nova e heterogênea favorece contato com elementos que podem contribuir à definição da própria identidade e à elaboração de um projeto de vida fundamentado em critérios de realidade. Comportamentos infantilizados se modificam quando nos inserimos em ambientes que demandem autonomia e responsabilidade.

Como a FSD estreita os laços com empresas da região de Campinas e as prepara para receber esses indivíduos?
A FSD promove, há 15 anos, a inserção de jovens e adultos com SD e outras deficiências intelectuais no mercado de trabalho produtivo, conforme a Lei de Cotas, exercendo papel mediador. Sabemos da complexidade do universo da pessoa com deficiência, que sempre foi considerada com baixo perfil profissional pela nossa sociedade. E também do sistema produtivo, que exige alto desempenho. O mediador tem papel fundamental na comunicação entre esses dois universos. Acompanha o candidato durante todo processo, como identificação da vaga, entrevista e acompanhamento, por meio de assessorias na empresa, durante os primeiros seis meses, semanalmente ou quinzenalmente, de acordo com avaliação do mediador e da empresa. O candidato também recebe, sistematicamente, assessoria individual no espaço da fundação.

Não impera na FSD, portanto, o termo “especial”, nem mesmo para nomear os cursos profissionalizantes?
A fundação aposta e apoia que a inclusão ocorra em espaços sociais que já existam. Quando se oferece “cursos profissionalizantes para jovens/adultos com Síndrome de Down” reforça-se a ideia de que eles são “especiais” e que, portanto, precisam de espaços “especiais”. Essa é uma inclusão frágil. O desafio consiste em colocá-los nos cursos existentes, a partir do interesse de cada um. E o curso buscar informações e ou metodologias de como tornar esse conhecimento acessível ao jovem/adulto com Síndrome de Down.

Pode partilhar um case?
Temos experiência exitosa, indo para o segundo ano consecutivo, em uma multinacional que oferece curso profissionalizante de um ano e na qual tivemos dois jovens, em 2014. Eles cursaram o currículo completo e se formaram com os colegas. A equipe técnica da fundação deu o apoio quanto à organização da rotina de estudo e das relações de trabalho. E também aos professores quanto ao processo de desenvolvimento cognitivo dos jovens (adequação de linguagem postural e profissional não infantilizadora). Outros dois jovens, ambos com Síndrome de Down, entrarão na nova turma.

Há um novo projeto em voga para acolhimento dos usuários da fundação. Poderia explicar?
Estamos com o piloto do programa de Moradia Independente, no qual adultos com Síndrome de Down e outras deficiências intelectuais experimentam morar sozinhos ou em grupos, de forma independente. Já tivemos contato com experiências exitosas desse modelo de moradia com apoio em Barcelona, na Inglaterra e no Canadá, entre outros locais.

Quais leis e projetos em vigor deveriam ser revistos?
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (2008), por exemplo, ainda é um grande desafio, pois fala-se de inclusão na escola regular, com atendimento educacional especializado. As escolas municipais de Campinas estão alinhadas à política, mas ainda há particulares que se negam a receber crianças com SD; outras as aceitam, mas não seguem as diretrizes. Em nosso Plano de Ação, todas as iniciativas são compartilhadas e construídas com os usuários, suas famílias e a rede de atenção, para promover seu desenvolvimento. Não trabalhamos na lógica das especialidades. Nossas salas de atendimento são divididas por faixa etária, não por área técnica. Trabalhamos em conjunto para o fortalecimento e a descoberta das potencialidades individuais.

sábado, 21 de março de 2015

21 de março - Comemoração do Dia Internacional da Síndrome de Down

Escrito e publicado por Maria Célia Becattini, mãe por opção do Pedrinho Becattini. Os dois se conheceram numa instituição assistencial. A adoção foi oficializada há treze anos. Pedro hoje tem 16.
-21/03/15-BH/MG

Hoje (21) é comemorado o Dia Internacional da Síndrome de Down.


Sonho é o que nos move na vida e não pode ser tolhido”                                                                                                                           
Sou mãe de um jovem down e consigo ver o seu desenvolvimento sem os padrões impostos, mesmo por que ele desconhece os “rótulos” e tem ânsia em crescer e ser como qualquer outro.
Com uma forma natural que tenho de encarar a síndrome do meu filho, coloco-me no lugar de todos os pais que vivem essa situação e ponho-me a pensar:
O que meu filho espera de mim?
O que é que ele espera de si mesmo?
E então, colocando-me no lugar do meu filho, com a certeza de que nossas almas são gêmeas e que eu o compreendo acima de tudo, respondo a mim mesma - com pretensão:
   -Espero que você não tire os meus sonhos, que não tolha meu futuro. Que sonhe comigo.
   -Espero, também, que me ajude a descobrir as minhas potencialidades, como você faz com seus outros filhos, meus irmãos. Que acredite em mim... que me faça acreditar em mim mesmo. E a partir disso, invista junto, no que tenho de potencial.
   -Exatamente por ser um ser com diferenças é que sou especial, com minhas capacidades e eficiências. Ao descobrir minhas aptidões e trabalhar nelas, é que me torno eficiente. Isso se aplica a qualquer um, a todos.
   -Juntos descobriremos meus talentos, dai basta acreditar, incentivar, estimular, trabalhar, e provarei  com minha garra e perseverança, que meus sonhos serão alcançados - e com certeza, meu sentido maior de vida – dignidade e felicidade!
    -E na medida em que me mostro capaz, inteiro, independente, autônomo, FELIZ E DIGNO, mudarei o olhar da sociedade.
    -Essa será minha conquista maior. Construir uma sociedade que não discrimine, que não segregue, que aceite as diferenças com naturalidade.

Somos SERES HUMANOS e temos o mesmo direito à vida!

segunda-feira, 16 de março de 2015

Filme usa Alzheimer para refletir sobre a perda

Publicado por Maria Célia Becattini



O filme convida o espectador a acompanhar a derrocada da mulher ambiciosa, professora reconhecida internacionalmente e que, a partir de lapsos de memória, é diagnosticada precocemente com algo que jamais poderia supor. Desde a primeira pCom uma caneta marca-texto em punho, à medida que lê uma linha, Alice Howland, a protagonista de Para sempre Alice, faz um traço amarelo para não correr o risco de se repetir. O ato corriqueiro para uma professora acostumada a falar em público é carregado de significados. A insegurança do olhar dela, dividido entre a plateia e a atenção redobrada ao papel, reforça a tensão do momento. Howland fala sobre perder a si mesma em um contexto que até então não imaginava viver.

“A arte de perder não é nenhum mistério. Tantas coisas contêm em si o acidente de perdê-las, que perdê-las não é um desastre. Não sou uma poetisa. Sou uma pessoa vivendo no estágio inicial de Alzheimer. E, assim sendo, estou aprendendo a arte de perder todos os dias”, diz a personagem, sem vitimização.

Essa é uma das tantas cenas delicadas que compõem o filme dirigido pela dupla Richard Glatzer e Wash Westmoreland e que deu à atriz Juliane Moore seu primeiro Oscar. Para sempre Alice abre mão do drama exagerado para falar sobre o que pode haver de incontrolável no curso da vida. No caso, a devastação causada pela doença em uma família obrigada a enfrentar o Alzheimer. O longa é adaptação do livro homônimo da neurocientista Lisa Genova.alestra, quando escapa apenas uma palavra, até os momentos de esquecimento completo, o longa constrói seu arco dramático na relação íntima dessa mulher com ela mesma.

Para sempre Alice não seria a mesma coisa se não tivesse a seu dispor uma Julianne Moore. Há filmes que são feitos para atrizes solarem. Há atrizes, no entanto, que vão além. É o caso de Moore nesse filme. A sensibilidade para o sutil engrandece tanto a obra quanto a intérprete. Para sempre Alice é repleto de sutilezas, mesmo tratando de um tema duro e triste.

A Alice Howland de Julianne Moore não é caricata nem melancólica. É no limiar entre a fragilidade que a doença impõe e a força que a mulher, mãe e professora reúne para seguir adiante que a atriz construiu o papel digno de prêmios.

Mas falar somente de Moore nesse filme é cometer injustiça com o restante do elenco, principalmente com Alec Baldwin e Kristen Stewart. É difícil abordar o Alzheimer sem encarar o impacto que a doença impõe à família. No papel do marido e da filha caçula, Baldwin e Stewart são os que mais bem refletem os conflitos internos dos quais quem está metido nessa situação dificilmente escapa.

Para sempre Alice é um filme de poucas palavras. As situações – principalmente no âmbito familiar – são apresentadas e cada espectador elabora de acordo com sua bagagem e entendimento de mundo. O discurso sobre a perda é o raro momento em que a protagonista de fato compartilha em palavras com o público seu exercício de entendimento.

É quando Alice tem certeza de que o comportamento estranho, a fala confusa mudam não apenas a percepção que os outros têm dela, mas sobretudo a percepção que tem de si mesma também transforma. Torna-se, assim, um explícito ato de resignação. De alguém que recusa ser dura com si própria e luta como pode para fazer parte das coisas. “Para continuar conectada com quem eu fui um dia”.

Fonte: site do Jornal Estado de Minas por Carolina Braga.Este artigo foi publicado na categoria Doenças, Inclusão Social e marcado em Doenças, Inclusão Social. Favorite o link deste post.

Neurociência vira ferramenta para melhorar aprendizagem nas escolas

Publicado por Maria Célia Becattini
Entendimento sobre o funcionamento do cérebro facilita trabalho de professores e pode revolucionar a sala de aula
Divulgação
Capacitação sobre o funcionamento do cérebro resulta em bons resultados na escola

Professores da educação básica de algumas escolas brasileiras têm experimentado estudar algo, aparentemente, muito distante da realidade da própria formação: a neurociência. Projetos ainda pouco comuns – mas inovadores e com bons resultados onde já foram testados – têm mostrado que os conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro pode ser um grande aliado dos educadores.

Durante a graduação, os educadores se concentram nos estudos dos estímulos que provocam aprendizagem. “O problema é que ela depende fundamentalmente da biologia, da organização e da estrutura do sistema nervoso para acontecer. Conhecendo essas caraterísticas, o professor consegue entender porque algumas estratégias que utiliza funcionam e outras não”, ressalta Leonor Bezerra Guerra, professora do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Ensino de música melhora memória, leitura e desempenho acadêmico de crianças

Pioneira em divulgar a neurociência no mundo educacional, Leonor diz que os avanços da tecnologia digital permitiram compreender sinapses e processos cerebrais essenciais para o funcionamento do cérebro. Com isso, a ciência que estuda o sistema nervoso tem colaborado para a compreensão de outras áreas de conhecimento, como a psicologia e a educação.

Os professores começam a perceber, agora, que o processo biológico da aprendizagem não diminui a importância da educação. “É o estímulo que a criança recebe do meio externo que fará com que ela adquira atitudes, hábitos, valores”, destaca a professora, que coordena o projeto NeuroEduca da UFMG, que divulga e orienta educadores sobre o tema. Sem a resistência, os professores podem enxergar nesse conhecimento um potencial transformador.

Leonor lembra que, sem a devida atenção para o conteúdo repassado pelo professor, o aluno não conseguirá ativar o centro de memória do cérebro. “O sistema nervoso precisa estar direcionado à experiência. Se o professor não consegue chamar a atenção do aluno para que as redes neurais sejam ativadas, ele não vai memorizar e armazenar informações”, explica.

Novas estratégias
O educador que estuda a neurociência é convidado a entender que todos podem aprender desde que as estratégias sejam adequadas. “Não basta dar acesso à escola, é preciso garantir que as crianças aprendam”, afirma Regina Migliori, que acaba de publicar o livro Neurociências e Educação, que traz pesquisas e modelos de aplicação prática desses conhecimentos em sala.

“Isso cria um novo patamar de responsabilidade dos educadores no desenvolvimento das crianças. A quantidade de diagnósticos de crianças com déficit de atenção é uma piração. Infelizmente, vemos muitas abordagens que têm um ponto de partida equivocado na identificação do problema”, reforça Regina.

Taís Ciboto, professora no curso de pós-graduação em Neurociência aplicada à Educação das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), acredita que os conhecimentos da neurociência podem ser instrumentos para que professores lidem com situações para as quais não foram preparados. Mas não é uma “receita de bolo”. “É importante lembrar que o ser humano completo vai para a sala de aula. Não é só a inteligência, mas também as emoções, o que ele vive fora da escola”, diz. O curso de pós-graduação em neurociência da FMU existe desde 2012 e já formou 50 alunos.

Primeiras experiências
Idealizado no ano 2000, o NeuroEduca tinha a pretensão de ampliar as palestras esporádicas, feitas pela professora Leonor desde 1994, para explicar em inúmeras escolas o que era a neurociência e como ela poderia auxiliar o processo educacional. O projeto passou a atender solicitações de escolas públicas e particulares, fazendo capacitações ou palestras de “sensibilização ao tema”.

“Isso não significa que o professor vai usar novas estratégias em sala de aula. Às vezes, ele não reflete sobre mudanças e mudar é difícil para qualquer um”, comenta. Quase 14 anos e 25 mil educadores formados ou “sensibilizados” depois do início, Leonor se contenta em saber que o interesse pelo tema é crescente. Ela, que também é autora do livro Neurociência e educação: como o cérebro aprende, conta que muitos estudos e grupos surgiram nos últimos anos.

Agora, ela gostaria de ver as graduações em pedagogia inserindo o tema em seus currículos. “Pretendo ainda sensibilizar os cursos para incluir o conhecimento sobre as bases neurológicas da aprendizagem das diretrizes curriculares nacionais”, afirma.

Meditação e concentração
Regina Migliori é doutora em Filosofia da Ciência e pós-graduada em Neuropsicologia e conduz o programa Meditação, Neurociência e Educação. O projeto está em fase de testes em uma escola do Sesi de Alagoas para ser ampliado para toda a rede depois. Lá, tem feito sucesso.

O primeiro passo é a formação dos professores. Depois de um curso de oito semanas, eles testam as práticas que farão com os próprios alunos. Usam exercícios de meditação para treinar o foco e a atenção dos alunos e os ensinarem a lidar com as emoções durante o processo de ensino e aprendizagem.

Dilson Costa Neves, diretor geral da Escola Sesi Industrial Abelardo Lopes em Alagoas, conta que o colégio já desenvolvia um trabalho de tentar concentrar os alunos antes das aulas. Pelo sistema de som da escola, eles faziam todos pararem atividades, refletirem, treinarem a respiração e se concentrarem antes das aulas. “O projeto está dentro do que a gente acredita. É uma maneira de repensarmos a aprendizagem e as nossas práticas pedagógicas”, pondera.

Segundo ele, os professores estão encantados com o que aprenderam. “Eles agora repensam suas práticas para não dar aulas repetitivas, encontrar novas formas de chamar a atenção dos estudantes, estimulá-los a aprender e passaram a trocar mais experiências com os colegas”, conta Neves.

sexta-feira, 13 de março de 2015

10 coisas que você nunca deve dizer à mãe de uma criança com Síndrome de Down ou qualquer deficiência

Publicado por MariaCelia Becattini

Para evitar constrangimento de ambos os lados, jamais diga ou pergunte à mãe de uma criança deficiente qualquer coisa dessa lista.



Erika Strassburger Borba
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Muitas pessoas ainda se sentem constrangidas na presença de pessoas deficientes, mesmo de crianças especiais com suas mães. Em virtude disso, elas ficam sem saber como agir ou o que dizer.

Se você não quiser causar embaraço ou mágoa, evite dizer à mãe da criança coisas como:

1. "Coitadinho"

Nenhuma mãe quer que as pessoas sintam pena de seu filho especial. Ela quer que elas sintam carinho por ele, consideração.

2. "A 'doença' do seu filho"

Cuide bem com os termos que usar. Deficiência, esse é o termo correto. Usa-se, também, o termo Necessidades Especiais ou Criança Especial, jamais doente. A não ser que a criança esteja gripada, com problemas cardíacos, respiratórios ou com outra doença qualquer.

3. "Sinto muito"

Não precisa sentir muito. Muitas mães são gratas pelos filhos especiais que têm, e não precisam que alguém lamente por elas. Para muitas é um período de aprendizado e crescimento.

4. "Eu não saberia lidar com uma situação dessas"

Ainda que você queira demonstrar sua grande admiração pela garra dessa mãe, não diga isso. Saiba que se você tivesse um filho especial, você saberia lidar com ele, sim. Toda mãe tem potencial para dar tudo de si para melhorar a vida do seu filho.

5. "Ele parece tão normal"

As mães de pessoas com Síndrome de Down ou outra deficiência têm que lidar com os conceitos "normal" e "diferente" o tempo todo. Na verdade, na maioria das vezes são os outros que as lembram disso. No dia a dia é bem comum elas se esquecerem de que há diferença entre seus filhos.

Ao mesmo tempo, elas têm ciência das características físicas, motoras e intelectuais deles. Elas não querem que eles pareçam "normais", elas só querem que eles sejam felizes do seu próprio jeito. Se pensarmos melhor, como definir o que é normal ou não?

6. "Nem percebi que ele tinha 'alguma coisa'"

Você não precisa disfarçar. A maioria das mães não se ofende quando as pessoas percebem a deficiência do seu filho. Mas pode se ofender se elas mentem não terem percebido.

7. "Por que ele nasceu assim? De quem ele herdou a deficiência?"

É um campo perigoso de invadir. Muitas deficiências, em especial a Síndrome de Down, acontecem por acidente genético. Isso significa que qualquer casal poderá ter um filho deficiente. E ainda que houvesse uma herança genética, que diferença isso faz? É um assunto que poderá trazer à tona culpas das quais o pai ou a mãe estão tentando se livrar.

8. Usar a palavra com "R" (retard...) em qualquer circunstância

Para ofendê-la, você não precisará usar esse termo para se referir ao filho dela, basta usá-lo para se referir a qualquer pessoa, deficiente ou não. É um adjetivo bastante ofensivo para quem tem um filho com necessidades especiais. Jamais o use na frente dela. Na verdade, seria melhor se você o eliminasse do seu vocabulário.

9. "Você vai arriscar outro filho?"

Eu ouvi isso muitas vezes, quando dizia que gostaria de ter mais filhos. Um médico geneticista chegou ao cúmulo de me dizer que eu "não deveria" ter outro filho, pois haveria tanto por cento de chance de ele nascer com Síndrome de Down também. Eu questionei: "E daí? Vou amá-lo do mesmo jeito!" Ele disse com todas as letras que os médicos não querem mais crianças assim no mundo. Foi algo chocante de se ouvir.

Bom, eu tive mais dois filhos ditos "normais", que foram uma bênção na vida do meu garotinho especial, e na minha.

10. Nada

Não dizer coisa alguma ou não fazer perguntas soa como se a presença da criança não fizesse qualquer diferença, como se ela fosse invisível. Aposto que nenhuma mãe se ofenderia com perguntas educadas ou comentários gentis sobre seu filho. Então, encontre algo positivo para falar e tudo estará bem.

Um conselho é simples

Aja naturalmente. Sorria para a criança e sua mãe, pergunte seu nome. Olhe para a criança. Não tente desviar o olhar. É muito estranho ver uma pessoa se esforçando para não olhar para seu filho. Por outro lado, pior ainda é ver uma pessoa olhando-o fixamente, como se nunca tivesse visto uma pessoa deficiente antes. Tudo o que é feito naturalmente e de boa vontade tende a funcionar bem.

Encontre mais conselhos nos artigos:

Meu filho nasceu com Síndrome de Down. E agora?.

8 dicas úteis para cuidar de um bebê com necessidades especiais.

5 coisas para se pensar quando sair de casa com uma criança com necessidades especiais.

A puberdade em jovens com Síndrome de Down.

quarta-feira, 11 de março de 2015

DISLEXIA E CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA: QUAL A RELAÇÃO ENTRE AMBOS?

Publicado por Maria Célia Becattini



A dislexia é classificada no DSM-V como um transtorno específico de aprendizagem e se caracteriza, principalmente, pela dificuldade na correção ou fluência na leitura de palavras e baixa competência leitora e ortográfica. Vários pesquisadores concordam que essas dificuldades resultam tipicamente de um déficit no componente fonológico da linguagem, imprevisto em relação a outras capacidades cognitivas.
Mas o que isso quer dizer?
A consciência fonológica é a habilidade de identificar e manipular, de diferentes formas, os segmentos sonoros constituintes da fala, sejam esses segmentos palavras ou partes de palavras, como sílabas e fonemas. Essa habilidade é preditora da habilidade de leitura posterior para crianças que ainda não foram alfabetizadas. Crianças diagnosticadas como disléxicas, frequentemente apresentam desempenho falho relativo à esse desempenho. Por exemplo, para essas crianças pode ser extremamente difícil diferenciar palavras sonoramente parecidas como “bato” e “pato” e a consequência disso para a aprendizagem de leitura é evidente.
Mesmo que não se saiba ao certo quais as causas dessas dificuldades fonológicas, a importância de se avaliar e identificar esse déficit é de extrema importância para o tratamento. Estratégias educacionais deveriam contemplar o desenvolvimento de discriminação auditiva por partes dessas crianças, a diferenciação dos sons de sílabas e fonemas, a inclusão de jogos para identificar rimas em palavras (caminhão e coração) e o início das mesmas (“fita” começa como “figo”), entre outros. A inserção de atividades lúdicas e interessantes nesse contexto é bastante importante para manter a motivação da criança nesse aprendizado. O programa Fast ForWordda Scientific Learning, representado com exclusividade pela Casa Cuca, é uma ótima ferramenta para auxiliar no desenvolvimento do processamento e sequenciamento de estímulos auditivos, e tem gerado excelente resultados em crianças com dificuldades em consciência fonológica.

Referências:
Adams, M. J. (1990). Beginning to read: thinking and learning about print. Cambridge, MA: Mit Press
Avila, C. R. B. (2004). Consciência Fonológica. In L. P. Ferreira, D. M. Befi-Lopes, S. & C. O. Limongi (orgs.). Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca
Capovilla, A. G. S. & Capovilla, F. C. (2002). Intervenção em dificuldades de leitura e escrita com tratamento de consciência fonológica. In M. T. M. dos Santos & A. L. G. P. Navas (orgs.), Distúrbios de leitura e escrita: teoria e prática (pp. 225-258). Barueri, SP: Manole.
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and
statistical manual of mental disorders (5th ed.). Washington, DC:
Author.
Saunders, K. J. (2011). Designing Instructional Programming for Early Reading Skills. In (Wayne W. Fisher, Cathleen C. Piazza, Henry S. Roane (orgs.), Handbook of Applied Behavior Analysis (pp. 92-109). New York: Guilford Press
Seabra, A. G. e Capovilla F. C. (2010). Alfabetização: método fônico (5ª Ed.) São Paulo: Memnon
Tabaquim, M. de L. M. (2011). Perfil neuropsicológico da criança com dislexia. In F. C. Capovilla (Org.), Transtornos de aprendizagem: progressos em avaliação e intervenção preventiva e remediativa (pp. 198-203). São Paulo: Memnon

http://www.andislexia.org.br/

Quer saber mais? Escreva para cucaresponde@acasacuca.com


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quarta-feira, 4 de março de 2015

A ESCUTA PSICOPEDAGÓGICA AOS PROFESSORES NA ESCOLA

Publicado por Maria Célia Becattini

RESUMO: Evidencia-se na literatura sobre psicopedagogia pouca reflexão acerca da escuta psicopedagógica aos professores na escola. Entretanto, a escuta é um elemento relevante e vem ocupando constantemente seu espaço nas mais variadas áreas, como: na psicanálise, na psicologia, bem como na própria psicopedagogia. Neste contexto, o principal objetivo deste artigo foi analisar a forma como o profissional formado em psicopedagogia exerce sua escuta aos professores na instituição escolar. Assim, optou-se pela realização de pesquisa de campo, utilizando-se a técnica de entrevistas para levantamento de dados, numa abordagem qualitativa. Contudo, a falta de referencial teórico dificulta o desenvolvimento da escuta clínica por parte dos psicopedagogos. Em virtude disso, o presente estudo pretende contribuir para a literatura sobre o assunto, apresentando possíveis estratégias para aprimorar/desenvolver a escuta psicopedagógica.

Palavras-chave: Escuta; Psicopedagógicas; Professores; Instituição.

1 INTRODUÇÃO

O olhar e a escuta são elementos complementares no processo de análise de fenômenos sociais, pois, o ver e o escutar contribuem nesse processo. Para Weffort (1997), não ouvimos
realmente o que os outros falam, e sim o que se quer ouvir. Neste sentido, o ver e o ouvir demandam implicações e entregas ao outro.

A situação analítica desenvolvida por Freud (1976) para o seu método psicanalítico, “surge e se desenvolve na escuta e para a escuta singular à qual se propõe” (FALCÃO; MACEDO, 2004, p. 2). Assim, como recurso proveniente da técnica psicanalítica e que aos poucos vem conquistando espaço em diferentes profissões, a escuta clínica apresenta-se e destaca-se como ponto relevante intersubjetivo, característico do encontro analítico. Segundo Cecim (1997, p. 31), essa escuta difere-se da audição. Porque, enquanto a audição permite à apreensão/compreensão de vozes e sons audíveis, a escuta clínica refere-se à apreensão/compreensão de expectativas e sentidos, audição das expressões e gestos, posturas e condutas durante a escuta. E, esta, não se limita exclusivamente ao campo da fala, “[mais do que isso] busca permitir os membros interpessoais que constituem nossa subjetividade para cartografar o movimento das forças de vida que engendram nossa singularidade” (CECCIM, 1997, p. 31).

A escuta também é um elemento que pode contribuir acerca da atuação do psicólogo no ambiente escolar, esta pode ser utilizada como mecanismo capaz de apreender os fenômenos que se efetivam no interior das escolas. Entretanto, a escuta está atrelada ao olhar que precisam ser clínicos, conforme salienta Adronio apud Barbier (1985, p. 45), afirmando que o procedimento clínico e sua teoria devem constantemente conquistar o lugar que lhe foi até então recusado, o que se caracteriza como importante ao procedimento clínico é o respeito, ou melhor, a *Marcos Vinícius Castro Souza, Licenciado em Pedagogia com Habilitação em Magistério e Gestão Educacional pela FAENE – Faculdade Adventista de Educação do Nordeste; Pós-graduado em Psicopedagogia institucional, clínica e hospitalar pela Fundação Visconde de Cairu. Tutor do Curso de Pedagogia EaD na UNIFACS (pólo de Santo Amaro); Coordenador Pedagógico do NEI – Núcleo de Educação Inclusiva; Coordenador Pedagógico do CEAJAT. E-mail.: vinicastro2@yahoo.com.br – Autor. sensibilidade ao que é ambíguo, ao duplo sentido e a hipercomplexidade. Com isso, a observação se constitui também como relevante no desenvolvimento de uma escuta clínica.

Partindo da perspectiva de Martins (2003), isso significa que as funções da escuta se apóiam sobre diversificadas visões de mundo, portanto, implicam diferentes paradigmas e, conseqüentemente, em aspectos e maneiras especificas de percepção dos fatores analisados. Para Adronio (1990, p. 40) apud Martins (2003, p. 44), existe nessa escuta, assim como na
interpretação que a acompanha, uma primeira forma de multirreferencialidade e a linguagem do outro, sua indexabilidade que é fundamental aprender e falar, para encontrar os diversos fios de sua pré história e os avatares de seus desejos. Para tanto, na especificidade clínica, o discurso não necessita ser explicito, porque ela joga essencialmente ao nível do subentendido.

A escuta desenvolvida na área pedagógica, ela diferencia-se das demais escutas, trazendo a marca da construção do conhecimento de modo dialogado. Contudo, por se tratar de um campo híbrido entre a pedagogia e a psicologia, a escuta psicopedagógica pode ocorrer sob diferentes aspectos, envolvendo o planejamento, a avaliação e a reflexão sobre a escuta, mas é importante a este profissional possuir ou adquirir uma atitude clínica, onde se possa efetivamente escutar atentamente os professores no espaço escolar e traduzir o subentendido de suas falas (FERNANDEZ, 1991, p. 125). Esta pesquisa propôs estudar de que forma a escuta psicopedagógica vem contribuindo no interior da instituição escolar.

2 A ESCUTA CLÍNICA NA PSICOPEDAGOGIA
A atuação do psicopedagogo, em instituições escolares, requer postura/atitude clínica frente às diversas produções sejam elas explícitas ou implícitas dos indivíduos a quem se propõe
intervenção psicopedagógica. Nesta perspectiva, a escuta psicopedagógica clínica insere-se como mecanismo de verificar e tratar os diferentes fenômenos que se apresentam no cotidiano do trabalho docente nas escolas.

Para se apropriar da utilização da escuta clínica na psicopedagogia, é relevante antes, caracterizar o olhar clínico como aquele que toma em consideração um campo – de pesquisa ou de intervenção – estruturado por um jogo de relações e de intervenções dinâmicas e complexas. No entanto, ele também supõe que o prático e o pesquisador estejam convenientemente deslocados da relação, isto é, que eles assumam uma postura de implicação-distanciamento. Tal postura, por sua vez, possibilitar-lhes-á estar efetivamente co-presente na situação que eles analisam, sem perder, para tanto, suas especificidades e suas competências (MARTINS, 2003, p. 43).

Isto remete que a atitude clínica necessária ao psicopedagogo ante sua possibilidade de intervenção, implica a busca por novos sentidos para sua relação com o objeto pesquisado. A observação torna-se, assim, importante. Pois, o olhar clínico se estabelece fundamentalmente na observação. Contudo, a escuta se impõe como fator imprescindível no que se refere ao temporal, “aquilo não-dito” (MARTINS, 2003, p. 44). Portanto, para Martins (2003), isto significa que as diferentes funções do olhar e da escuta clínicas, que se apóiam em perspectivas diferentes e, consequentemente, em metodologias também específicas, precisam ser articuladas no intuito de se estabelecer pontos de referência nos aspectos temporal e espacial.

O psicopedagogo, enquanto terapeuta é um sujeito que “legaliza a palavra do paciente, [...] alguém que com sua escuta outorga valor e sentido à palavra de quem fala, permitindo-lheorganizar-se (começar a entender-se), precisamente a partir de ser ouvido” (FERNANDEZ, 1991, p. 126). Com isso, a escuta psicopedagógica torna-se fator preponderante no atendimento a heterogeneidade de/dos professores na escola, possibilitando-lhes, vez e voz para expressarem-se oralmente e/ou através de mensagens subliminares.

O psicopedagogo terapeutizando, precisa posicionar-se em um lugar capaz de proporcionar-lhe a análise eficaz, de modo a permitir “ao paciente organizar-se e dar sentido ao discurso a partir de um outro que escuta e não desqualifica, nem qualifica”. “Somente a partir das fraturas do discurso, por um lado, e de nos aproximarmos, por outro lado, por encontrar o
dramático, resgataremos o interessante, o original dessa história (FERNANDEZ, 1991, p. 126).

2.1 A postura analítica e a atitude clínica na psicopedagogia

O psicopedagogo deve “escutar e traduzir” (FERNANDEZ, 1991, p. 127) de modo transcendente o que lhe é apresentado, buscando a atitude clínica necessária no trato dos dados obtidos através de sua escuta e análise. Pois, “são as palavras, ou sua ausência, associados com a cena penosa, as que dão ao sujeito os elementos que impressionarão sua imaginação” (MANNONI apud FERNANDEZ, 1991, p. 127). Assim, a função da escuta psicopedagógica não é fazer o paciente confessar o tido como importante, mas sim, garantir ao indivíduo a possibilidade de que fale do que realmente carece de importância.

Para Fernandez (1991, p. 128), o lugar analítico, tão importante para o desenvolvimento da escuta clínica, é “lugar de testemunha e atitude clínica, da atitude do que escuta e traduz promovendo um discurso mítico e não real. Lugar e atitudes necessários a todo terapeuta, que o psicopedagogo deverá assumir”. Neste sentido, a referida autora apresenta sua proposta ou guia para o psicopedagogo conseguir uma escuta psicopedagógica: (FERNANDEZ, 1991, p. 131)

1. Escutar–olhar – o primeiro momento da intervenção psicopedagógica supõe escutar-olhar o outro e mais nada. De acordo com Fernandez (1991, p. 131), “escutar não é sinônimo de ficar em silêncio, como olhar não é de ter os olhos abertos”;
2. Deter-se nas fraturas do discurso – estar atento aos aspectos trazidos através do discurso verbal, assim como ao corporal, ao agir subjetivo do sujeito;
3. Observar e relacionar com o que aconteceu previamente à fratura – registrar as fraturas, as formas diferentes de expressar-se;
4. Descobrir o esquema de ação – significação – “para encontrar o esquema de ação, não é necessário deter-se no conteúdo do mesmo, mas no processo e nos mecanismos” (FERNANDEZ, 1991, p. 132);
5. Buscar a repetição dos esquemas de ação – buscar detectar em que outras situações e com que outros contextos e conteúdos repete-se este esquema;
6. Interpretar a operação, mais do que o conteúdo – levantar as concepções e idéias inconscientes sobre a aprendizagem, estabelecendo relações com a “operação particular que constitui o sintoma” (FERNANDEZ, 1991, P. 133).

O momento da intervenção psicopedagógica é único tanto para o paciente, quanto para o terapeuta, e requer o estabelecimento de uma relação harmônica entre ambos, onde o escutar esteja presente cotidianamente neste processo. Para isso, Fernandez (1991, p. 131) esclarece que “escutar não é sinônimo de ficar em silencio, como olhar não é de ter os olhos abertos. Escutar, receber, aceitar, abrir-se, permitir, impregnar-se”. Todavia, o terapeuta deve aprimorar a sua escuta para além do que o paciente expõe oralmente, permitindo-lhe “falar e ser reconhecido, e ao terapeuta compreender a mensagem” (p. 131) para poder intervir da melhor maneira possível.

No entanto, para Martins (2003) é imperioso que ambos estejam convenientemente deslocados na relação estabelecida, isto é, que eles assumam uma visão/postura de implicaçãodistanciamento. Esta postura possibilitar-lhes-á efetivamente estarem co-presentes na situação que analisam, sem para isso, perder suas especificidades e suas capacidades.

Ou seja, uma postura/atitude clínica que se estruture numa escuta, que aqui deve ser compreendido como um mecanismo de acompanhamento acerca da realidade, registrando-se o vivenciado, o experimentado. É preciso criar espaços onde as vivências institucionais possam ser afirmadas e verdadeiramente escutadas.

Esta perspectiva, no plano das práticas do psicopedagogo, poderá fomentar o reconhecimento e a apropriação “de elementos até então desconsiderados na abordagem dos processos educativos, possibilitando uma reapropriação da experiência e de outros sentidos, a eles atribuídos, pela abertura ao desconhecido, pela disponibilidade para a alteração (e por conseqüência da heterogeneidade), para a escuta do inefável (MARTINS, 2003, p. 44).

3 MÉTODO

Para realização deste estudo, pesquisou-se uma psicopedagoga e quatro professoras de uma escola pública, localizada na zona urbana da cidade de Santo Amaro, Recôncavo do Estado
da Bahia, sendo utilizado como critério de inclusão todos os funcionários que atuam numa mesma instituição escolar.
Em relação à pesquisa de campo, foi utilizado como instrumento para coleta de dados a realização de entrevistas. Os dados obtidos foram analisados partindo-se da perspectiva da abordagem qualitativa.

De um modo geral, as entrevistas qualitativas são muito pouco estruturadas, sem um fraseamento e uma ordem rigidamente estabelecidos para as perguntas, assemelhando-se muito a uma conversa. Tipicamente, o investigador está interessado em compreender o significado atribuído pelos sujeitos a eventos, situações processos ou personagens que fazem parte de sua vida cotidiana (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 168).

Neste contexto, constituíram-se como aspectos a serem englobados na entrevista com a psicopedagoga: 1) A forma como esta compreende e analisa a função de sua escuta; 2) Ao modo como tem escutado os professores desta instituição, se exerce essa escuta cotidianamente, assim como isso ocorre; 3) As possíveis contribuições desta escuta aos professores na intervenção psicopedagógica, a forma como isso se efetiva. As entrevistas com as professoras constavam:

1) A respeito da percepção em relação à atuação da psicopedagoga na escola;

2) Ao modo como percebe e analisa a possível parceria entre ambos, a forma como essa parceria pode contribuir na prática docente no trato das dificuldades de aprendizagem dos alunos;

3) A existência de possíveis oportunidades de ser escutada pela psicopedagoga nesta instituição, a forma como ocorre;

4) Os momentos destinados a reunião onde se possibilita a exposição de problemas, etc.

Partindo-se destes itens, as entrevista foram realizadas. Assim, optou-se por iniciar a coleta de dados através da entrevista com a psicopedagoga, para, posteriormente, realizá-las com as professores que recebem assistência desta profissional. Todavia, visando preservar a identidade dos sujeitos pesquisados, foram utilizados nomes fictícios para os participantes da pesquisa.

4 RESULTADOS

A realização da entrevista com a psicopedagoga englobou fundamentalmente três aspectos básicos em torno da escuta psicopedagógica aos professores na escola. Sobre a forma como esta compreende e analisa a função de sua escuta na instituição, a mesma abordou que reconhece a relevância desta, afirmando que “ao escutar o outro vou percebendo as suas necessidades, o que realmente está sendo vivenciado pela profissional”.

Posteriormente, em torno do segundo aspecto, a respeito do modo como a psicopedagoga tem escutado os professores desta instituição, se exerce essa escuta constantemente, assim como isso se dá na prática. Obteve-se a seguinte resposta:

Através de diálogo procuro escutar com atenção as necessidades dos profissionais que trabalham comigo, buscando entender o ponto de vista de cada um, visto que ao escutá-los trocamos ricas experiências e, assim, explorar dimensões e possíveis caminhos para solucionar as demandas necessárias. E, esses momentos ocorrem durante as reuniões pedagógicas quinzenalmente (MÁRCIA).

Outro aspecto levantado foi a partir das possíveis contribuições desta escuta aos professores na sua intervenção, bem como a forma como isso se efetiva, onde a mesma respondeu que “ao escutar o outro (os professores) podemos perceber suas necessidades e a de seus alunos e, procurar orientá-los da melhor maneira possível”.

A atuação psicopedagógica não pode ser efetivada em momentos inadequados como em reuniões pedagógicas, mas em espaços e momentos específicos, onde a professora seja oportunizado a expressar-se em sua multiplicidade, e a psicopedagoga escutá-lo transcendentemente. Contudo, esta escuta não pode/deve estar contaminada com impressões impregnadas de estereótipos e de fraturas das relações sociais estabelecidas entre ambos. Para tanto, Weffort (1997), salienta que a ação de escutar clinicamente o outro é um processo reflexivo e analítico de sair de si para ver e compreender o outro e a realidade segundo seus próprios pontos de vista, sua subjetividade, singularidade e segundo sua história. Assim, para Weffort (1997), a escuta constitui-se como uma ação altamente movimentada, reflexiva, estudiosa e transcendente.

O lugar da escuta poderá possibilitar ao psicopedagogo “criar situações coletivas, espaços de construção de conhecimentos sobre si mesmo – sobre a escola, sobre as experiências dos envolvidos no processo educacional, etc. – de tal forma que os problemas vividos sejam amplamente discutidos e a busca de soluções para os mesmos, compartilhada” (MARTINS, 2003, p. 44).

Ao psicopedagogo cabe, no exercício de sua escuta, de acordo com as concepções de Fernandez (1991), detectar os lapsos, as diversas dificuldades na expressão do discurso, da forma como os cortes são efetivados, das inconsistências, das repetições, das pausas prolongadas, emerge o inconsciente, etc.

Em momentos posteriores, durante a realização das entrevistas com as quatro professoras, pode-se detectar uma inquietação em torno do acompanhamento psicopedagógico realizado nesta escola. Partindo-se deste pressuposto, o primeiro aspecto levantado foi a respeito de como elas percebem essa profissional e sua atuação na escola. Onde obteve-se considerações como: “Ela trabalha bem, buscando sempre saber nossas necessidades e ajuda no que pode, entretanto, o tempo dela aqui na escola é pouco, o trabalho acaba sendo fragmentado”.

Ademais, abordaram que percebem a relevância dessa profissional atuando num ambiente escolar e que a parceria estabelecida nesta acaba contribuindo na prática docente, pois, segundo as entrevistadas, “o atendimento que ela nos garante ajuda a possibilitar aos alunos uma melhorara comportamental em sala de aula e na aprendizagem”.

Outro aspecto discutido com as professoras foi se elas têm oportunidades de serem escutados pela psicopedagoga nesta instituição, assim como a forma que isso se efetiva, da existência ou não de momentos destinados a reuniões, onde elas pudessem expor seus problemas, etc. Onde elas afirmaram que sim, que ela ouve suas queixas em momentos específicos nas reuniões pedagógicas que se efetivam quinzenalmente. Assim, reafirmam que o tempo destinado para tal fim é pouco. Os discursos das professoras entrevistadas aparentam estar emersos em um receio (medo) em expressar realmente o que pensam a respeito da atuação da psicopedagoga na instituição. E isso é vislumbrado através do subliminar de suas falas, nas inquietações, nos olhares, nas expressões, nas faltas, etc. Com isso, evidencia-se a importância da criação de mecanismos que garantam as professoras serem efetivamente escutadas pela psicopedagoga neste espaço.

4.1 Confrontando a visão da psicopedagoga e das professoras Através do confronto entre as informações obtidas a partir da realização das entrevistas tanto com a psicopedagoga, quanto com as professoras participantes deste estudo, pôde-se detectar fraturas nos discursos destas em relação à atuação da psicopedagoga nesta unidade
escolar e o modo como suas intervenções se efetivam no cotidiano deste espaço.

A escuta, elemento tão relevante ao psicopedagogo, é tido/visto tanto pela psicopedagoga quanto pelas professoras que recebem seu acompanhamento, meramente como um canal auditivo capaz de apreender falas e possibilitar a intervenção partindo-se destas. Contudo, a escuta clínica necessária a este profissional, requer o transcendente, o subentendido do discurso exposto oralmente. Ou seja, “o exercício da escuta clínica, por sua vez, tem como perspectiva desvelar dimensões do cotidiano escolar e das relações que o estruturam até então impensadas, desconhecidas, mas que tangenciam as práticas que aí se estabelecem” (MARTINS, 2003, p. 45).

As professoras não podem/devem ser encaradas como pacientes da psicopedagoga, daí a precisão da adequação da escuta clínica para o atendimento às mesmas. Entretanto, a escassez na fundamentação teórica/prática a respeito da escuta clínica na psicopedagogia revela uma possível falha no processo de formação desta profissional, que muitas vezes, não é preparada para assumir uma postura/atitude clínica ante a demanda.

Na construção da escuta necessária ao psicopedagogo, constata-se, segundo Weffort (1997, p. 1) alguns movimentos necessários a sua construção:

1 – “movimento de concentração para a escuta do próprio ritmo [...] o que se quer observar, que hipóteses se quer checar, o que se intui que não se vê, não se entende, não se sabe qual o
significado, etc.”;
2 – “o movimento que se dá no registro das observações, seguindo o que cada um se propôs na pauta planejada, onde o desafio está em sair de si para colher os dados da realidade significativa e não idealizada”;
3 – “o movimento de trazer para dentro de si a realidade observada, registrada, para assim poder pensá-la, interpretá-la [...]. Neste movimento podemos nos dar conta do que ainda não sabemos”.

Macedo e Falcão (2009, p. 6) apud Freud (1937) apontam para o importante efeito da escuta clínica no campo analítico: “a análise é um processo terminável enquanto se refere ao uso da capacidade de escuta do analista, mas interminável enquanto se refere à capacidade adquirida pelo paciente de escutar-se. O processo analítico, a partir da escuta do” psicopedagogo, “envolve a instrumentalização da escuta do paciente em relação a si mesmo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para se chegar às últimas palavras deste estudo, retoma-se a questão que o originou: de que forma a escuta psicopedagógica vem contribuindo no interior da instituição escolar? A resposta para tal indagação pode ser obtida sob as seguintes dimensões: Através da pesquisa de campo realizada, percebeu-se que a escuta psicopedagógica não tem acontecido/contribuído nas intervenções efetivadas na instituição escolar fonte da coleta de dados, pois, a psicopedagoga não demonstrou exercer a escuta clínica as professoras neste espaço. Assim, evidenciou-se que as entrevistadas não demonstraram apropriação a respeito do real significado da escuta para a psicopedagogia. Segundo Weffort (1997), os indivíduos não foram educados para a escuta, nem para seu real significado. Ou seja, a escuta acaba estereotipada exclusivamente para a função auditiva.

Cabe registrar a escassez de material sobre a escuta na psicopedagogia, fator que pode ser preponderante quanto a sua não utilização por parte da profissional pesquisada. Assim, visualizase ainda, a falta de recomendações e orientações técnicas em relação à apropriação e utilização da escuta transcendente ao que é falado e apreendido auditivamente, capaz de captar lapsos, falhas, repetições, sintomas, queixas, o subjetivo, etc. aspectos que lhe permita interpretação e intervenção adequadas.

Para Macedo e Falcão (2009), a formação do terapeuta precisa estar atrelada ao “famoso tripé – formação teórica, atividade de supervisionar-se e análise pessoal – constitui os recursos na qualificação do processo de escutar o outro. Com isso, detecta-se que os psicopedagogos precisam estar abertos para efetivamente escutar os professores e suas queixas na escola, não auditivamente, mas de modo transcendente, buscando então, “a sintonia com o ritmo do outro, do grupo, adequando em harmonia” (WEFFORT, 1997, p. 1) para favorecer o trabalho deste no contexto escolar. Portanto, fica evidente a relevância de os cursos de formação em psicopedagogia se adequarem a essa necessidade de estimular o desenvolvimento da postura/atitude e escuta clínicas para que o profissional possa escutar os professores na escola e
também desenvolver as intervenções convenientes.

O alcance da escuta psicopedagógica está conectada a apropriação de um fazer-se terapeuta. Em virtude disso, ao se propor um estudo em torno da escuta psicopedagógica aos professores na escola, laça-se um olhar, segundo Macedo e Falcão (2009), para a importância dado pelo terapeuta às falas, gestos, movimentos, etc. de seu analisado, isso demonstrou o papel da escuta deste em relação a si próprio, em sua investigação pessoal. Pois, a escuta da psicopedagogia encontra sua vitalidade na capacidade do analista em perceber e reconhecer o valor e a necessidade de ser ele próprio escutado, gerando em si uma capacidade que está fora do domínio da rigidez ou da padronização, e que por isso abre espaço à escuta do outro.

REFERÊNCIAS
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa qualitativa e quantitativa. São Paulo: Artmed, 2004.
BARBIER. René. (1985). A pesquisa-açãona instituição educativa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
CECCIM, Ricardo Burg. (1997). Criança hospitalizada: a atenção integral como uma escuta à vida. In: CECCIM, R. Burg; CARVALHO, Paulo R. A. (orgs.). criança hospitalizada: atenção
integral como escuta à vida. Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 27-41.
FERNANDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Trad. Iara Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
FONTES, Rejane de S. A escuta pedagógica à criança hospitalizada: discutindo o papel da educação no hospital. Rev. Brasileira de Educação: p. 119-138. 2004. FREUD, S. (1940 [1938]). Espaço de psicanálise. In: __. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. Vol. XXIII.
WEFFORT, Madalena Freire ET. Al. Educando o olhar da observação: aprendizagem do olhar. In: WEFFORT, M. Freire ET. Al. Observação, registro, reflexão. São Paulo: Espaço
Pedagógico, 1997, p. 10-36.
MACEDO, Mônica M. Kother; FALCÃO, Carolina N. de Barros. A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta.

MARTINS, João Batista. A atuação do psicólogo escolar: multirreferencialidade, implicação e escuta clínica. Rev. Psicologia em Estudo: Maringá. V.8, n. 2, p. 39-45, 2003.



Autor: Marcos Vinícius Castro Souza

terça-feira, 3 de março de 2015

Os Efeitos da Violência Comunitária no Desenvolvimento da Criança

Publicado por Maria Célia Becattini

Nancy G. Guerra, EdDa, Carly Dierkhising, M.A.b

University of Delawarea, EUA, University of California at Riverside, EUAb
Novembro 2011 (Inglês). Tradução: novembro 2011

Introdução

As comunidades em que as crianças crescem podem ter um efeito profundo nos adultos em que elas se tornarão. Muitas crianças são criadas em ambientes calmos e incentivadores, com uma abundância de recursos. Na outra extremidade do espectro, milhões de crianças crescem sob condições adversas. Frequentemente, isso se traduz na ausência dos recursos básicos necessários para seu desenvolvimento. Mas as adversidades também podem refletir uma exposição mais acentuada a eventos negativos que configuram os resultados de suas vidas. 


A exposição à violência comunitária está entre as experiências mais prejudiciais que as crianças podem ter, impactando sua forma de pensar, de sentir e de agir. Violência comunitária é entendida como a violência interpessoal na comunidade, não perpetrada por um membro da família, e que pretende causar dano. Pode ser um subproduto de diferentes circunstâncias, variando de um crime na vizinhança e violência até conflito civil contínuo ou guerra. A exposição à violência é definida como a experiência da violência de segunda-mão (por exemplo, ouvir falar sobre violência), ser a vítima direta de um ato de violência ou testemunhar violência que envolva terceiros.1 

Lamentavelmente, nos EUA e internacionalmente, um número demasiadamente grande de crianças e jovens passam por altos níveis de exposição à violência comunitária. Por exemplo, numa pesquisa de âmbito nacional nos EUA, 55% dos adolescentes relataram algum tipo de exposição à violência comunitária.2 Nos EUA, atualmente, o homicídio é a segunda causa de mortes entre jovens com idade entre 10 e 24 anos, embora esse número inclua violência familiar e outros tipos de vitimização violenta.3 Esses altos índices englobam envolvimentos com tipos de violência menos intensa. Por exemplo, de acordo com a Youth Risk Behavior Survey (Pesquisa de Comportamento de Risco entre os Jovens), realizada anualmente com uma pesquisa nacionalmente representativa de estudantes do ensino médio, 32% dos jovens relataram ter participado de uma ou mais lutas físicas no último ano.3 Embora a violência atravesse os limites sociais e demográficos, a exposição à violência comunitária é maior nas áreas pobres no centro da cidade e em regiões urbanas empobrecidas.1 

Resultados de Pesquisas Recentes

Qual é o impacto da exposição à violência no desenvolvimento da criança? Uma mensagem clara é a de que a “violência gera violência” – crianças que experimentaram violência são mais propensas a serem apanhadas em um ciclo de violência que leva a um futuro comportamento violento, incluindo agressão, deliquência, crime violento e abuso infantil.4 Isso se confirma para todos os tipos de exposição de violência infantil, incluindo, mas não se limitando à violência comunitária. 

Além disso, tem sido observado que a exposição à violência contribui para problemas de saúde mental durante a infância e a adolescência. São encontrados altos índices de distúrbios psiquiátricos, incluindo depressão, ansiedade e síndrome de estresse pós-traumático (em inglês, PTSD) entre os jovens expostos à violência comunitária.5 Muitas crianças apresentam mais de um sintoma ou distúrbio. Por exemplo, numa pesquisa nacional de exposição à violência entre adolescentes, quase que metade dos meninos diagnosticados com PTSD apresentava um diagnóstico de depressão comórbida, e aproximadamente um terço tinha um distúrbio comórbido de consumo de drogas. Entre as meninas diagnosticadas com PTSD, mais de dois terços também apresentavam um diagnóstico de depressão comórbida e um quarto delas tinha um distúrbio comórbido de consumo de drogas.6 

Foi observado que sintomas de PTSD têm uma relação classificada conforme a exposição à violência comunitária, onde os níveis mais altos estão associados à maior manifestação do sintoma.2 Na adolescência, os sintomas de PTSD podem se manifestar através da externalização de comportamentos, quando os jovens estão hiperestimulados e super responsivos para perceber ameaças; inversamente, os jovens podem parecer estar depressivos e retraídos. De forma geral, os estudos indicam diferenças de respostas conforme o gênero, sendo os meninos mais agressivos e as meninas mais depressivas em consequência à exposição à violência comunitária.7

Além de documentar o impacto da violência no comportamento infantil, um grupo cada vez maior de pesquisas tem analisado os processos subjacentes da heterogeneidade desse impacto, particularmente em crianças de idades diferentes. A exposição à violência influencia o desenvolvimento em múltiplos âmbitos e em diferentes estágios. Ela pode impactar o desenvolvimento neurológico, físico, emocional e social da criança, frequentemente levando a uma sucessão de problemas que interferem com sua adequação.

Nas crianças muito pequenas, a repetida exposição à violência comunitária pode contribuir com problemas na formação de relacionamentos positivos e de confiança necessários para que as crianças explorem seu ambiente e desenvolvam uma noção segura de sua personalidade.8 As dificuldades na formação desses relacionamentos de vinculação podem interferir com o desenvolvimento de uma noção básica de confiança e comprometer futuros relacionamentos até na idade adulta. É objeto de uma preocupação especial o efeito dessas experiências no desenvolvimento do cérebro da criança. Além disso, devido ao fato de o cérebro desenvolver-se de uma forma sequencial, rupturas em uma época prematura da vida de uma pessoa podem levar ao desencadeamento de uma sequência psicológica de desenvolvimento que se torna cada vez mais difícil de ser interrompida. No caso das crianças que são “incubadas em meio ao terror,” as adaptações neurológicas que permitem que elas sobrevivam em contextos violentos podem, em última análise, levar à violência e a problemas de saúde mental, mesmo quando as crianças não forem mais capazes de se adaptar.9 

A sobrevivência humana depende da ativação da reação “lutar ou fugir”, em resposta a ameaças potenciais. Porém, algumas crianças altamente expostas à violência comunitária criam um estado constante de medo, ativando o dispositivo de reação ao estresse no sistema nervoso central. Isso pode levar a uma série de consequências problemáticas, incluindo hipersensibilidade a estímulos externos, uma maior resposta de sobressalto e problemas com regulação do estado afetivo.10Essas reações preparam o terreno para problemas de saúde mental, cognições distorcidas e problemas de comportamento. 

A conexão entre a exposição à violência comunitária, desenvolvimento social cognitivo e comportamento é melhor ilustrada ao analisarmos os mecanismos envolvidos no ciclo da violência. À medida que a criança cresce e desenvolve uma compreensão cognitiva mais sofisticada do mundo social, o modelo neurodesenvolvimental vinculado à exposição precoce à violência pode facilmente transformar-se numa visão distorcida do mundo. Em algumas crianças (particularmente meninos), pode levar à hipervigilância a ameaças, atribuição incorreta de intenção e disposição para apoiar a violência.11 Como esses padrões de cognição tornam-se cada vez mais estáveis com o tempo, eles podem levar a padrões característicos de raciocínio e ação associados a comportamento agressivo e violento.12 Em essência, esses esquemas interiorizados sobre a necessidade e a adequabilidade da agressão servem como mecanismos através dos quais a violência comunitária contribui para futuras agressividades e violência.13 

Lacunas da Pesquisa

A violência comunitária não ocorre de forma isolada. Frequentemente, ela é concomitante com outros tipos de violência. Em especial no caso de crianças pequenas, a família é a fonte primária de exposição à violência, embora essa exposição frequentemente seja maior entre crianças que vivem em comunidades com alto índice de violência.8,9 Apesar de estudos anteriores terem tratado sobre a importância de um contexto ecológico mais amplo, a maioria dos estudos ainda examina os efeitos da exposição à violência dentro de um contexto isolado. Além disso, as crianças e os adolescentes expostos a altos níveis de violência comunitária, normalmente experimentam outros agentes estressantes ou fatores de risco em suas comunidades, famílias ou entre os pares. É importante que os estudos deslindem os efeitos das experiências estressantes múltiplas no desenvolvimento e identifiquem a contribuição única da exposição à violência. 

Em geral as pesquisas têm considerado a “exposição à violência” como um fenômeno isolado, havendo poucos estudos que analisem os efeitos únicos de ouvir sobre a violência, presenciar a violência ou ser vítima de violência. Esses efeitos também podem variar conforme a idade. É essencialmente importante para a prevenção e intervenção que as futuras pesquisas possam basear-se em estudos de resiliência (adaptação diante da adversidade) para destacar fatores individuais e contextuais que promovam ajustes em contextos violentos (embora, obviamente, a solução de preferência seja diminuir os níveis de exposição à violência). Efetivamente, a maioria dos jovens expostos à violência comunitária não experimenta consequências negativas.14

Conclusões

Nos EUA e internacionalmente, as crianças frequentemente são expostas a altos níveis de violência comunitária. Pesquisas recentes estimam que mais de 50% das crianças e jovens foram submetidos a algum nível de exposição de violência comunitária. Essa experiência tem indicado ter um impacto negativo no desenvolvimento, levando ao aumento de problemas emocionais, sociais e comportamentais. Um resultado sólido é o vínculo entre a exposição à violência e agressão e violência posteriores, denominada de "ciclo da violência". Em outras palavras, as crianças que assistem ou experimentam violência em torno delas são mais propensas a utilizar violência quando se tornam mais velhas ou adultas. Os efeitos da exposição à violência são particularmente problemáticos em crianças pequenas e as observações indicam que causam impacto adverso no desenvolvimento do cérebro. Rupturas numa época prematura da vida de uma pessoa podem levar ao desencadeamento de uma sequência psicológica de desenvolvimento cuja interrupção torna-se cada vez mais difícil. Além de níveis mais altos de comportamento agressivo, distúrbios psiquiátricos, incluindo depressão, ansiedade e síndrome de estresse pós-traumático (em inglês, PTSD) foram encontrados em índices mais altos entre jovens expostos à violência comunitária. Todavia, a maioria dos jovens que crescem em ambientes violentos não desenvolve problemas de saúde mental ou comportamental, embora seja necessário haver mais pesquisas para entender os processos específicos de resiliência. 

Implicações para os pais, serviços e programa de ação

É desnecessário dizer que a resposta mais importante à exposição à violência comunitária é trabalhar solidariamente para reduzir a violência no ambiente em que a criança cresce. Existem diversos exemplos de estratégias baseadas na comunidade para reduzir a violência e que demonstraram sua eficácia. Os pais também podem limitar a exposição das crianças à violência, mesmo em áreas violentas, através do monitoramento atento e supervisionando suas atividades. Eles também podem restringir a exposição em outros contextos, por exemplo, limitando a exposição da criança a programas de televisão, filmes e videogames violentos. Considerando que a exposição à violência impacta a reatividade da criança ao estresse, programas de prevenção e intervenção que ajudem a criança a entender e a lidar com o estresse são um ingrediente importante na promoção da resiliência e ajuste para as crianças expostas à violência. 

Referências
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McCart, M., Smith, D. W., Saunders, B. E., et al. (2007). Do urban adolescence become desensitized to community violence? Data from a National Survey. American Journal of Orthopsychiatry, 77, 3, 434-442.
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Dodge, K. A., Bates, J. E., & Pettit, G. S. (1990). Mechanisms in the cycle of violence. Science, 250, 1678-1683.
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