Todo ano no mês de março, instituições ao redor do mundo unem esforços para celebrar o cérebro durante uma semana, chamada de Semana da Consciência do Cérebro (ou Brain Awareness Week). Trata-se de uma iniciativa da Dana Foundation, da qual o Cérebro Melhor é parceiro, para aumentar a consciência da população sobre o progresso e benefícios da pesquisa sobre o cérebro. Para contribuir com essa mobilização global, escolhemos um assunto bastante pertinente para o Brasil, um país ainda famoso pela desigualdade social e altos níveis de pobreza, apesar dos avanços obtidos na última década.
A sabedoria popular diz que os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. E, nesses últimos anos, neurocientistas e economistas que pesquisam a relação entre a pobreza e o desempenho cognitivo têm encontrado algum fundamento para essa afirmação, bem como alguns fatores tratáveis que podem ajudar a romper com esse círculo vicioso.
O desenvolvimento do cérebro humano é determinado basicamente por dois fatores: a genética herdada dos pais e o ambiente no qual a pessoa é criada, desde a gestação até a vida adulta. O nível socioeconômico de uma família influencia diretamente o ambiente onde a pessoa é criada e, consequentemente, afeta a cognição, o desempenho escolar e a saúde mental.
Pesquisas sobre o nível socioeconômico identificaram alguns pontos que ajudam a explicar o seu efeito sobre o desenvolvimento do cérebro, os quais estão listados abaixo:
Cuidados dos pais: a qualidade dos cuidados prestados pelos pais tem demonstrado um efeito principalmente sobre o desenvolvimento emocional da criança.
Estímulo cognitivo: devido à plasticidade do cérebro, uma criança que cresce num ambiente onde recebe mais estímulos cognitivos, como jogos, livros, entre outros, consequentemente acaba tendo um melhor desenvolvimento cognitivo.
Nutrição: a ingestão de nutrientes e calorias influenciam os mecanismos relacionados à cognição e emoção. Famílias de baixa renda tem menos acesso a comidas saudáveis e possuem um risco maior de falta de comida e deficiência nutricional.
Exposição a toxinas: devido às condições mais precárias de moradia das famílias de baixa renda, é maior o risco de exposição a toxinas que afetam o desempenho cerebral, como acontece com o chumbo.
Estresse: famílias de baixa renda estão geralmente expostas a ambientes com níveis de estresse mais elevados, provenientes do estilo de vida, vizinhança mais perigosa, barulhos, entre outros fatores. Isto pode levar ao estresse crônico e afetar o desenvolvimento cognitivo de toda a família.
O efeito do estresse sobre o desenvolvimento cerebral tem sido muito pesquisado ultimamente e os seus efeitos sobre regiões específicas do cérebro estão cada vez mais claros. O córtex pré-frontal, mais relacionado a funções executivas, e a amídala, relacionada ao controle emocional, são bastante afetados pelo estresse. As regiões pré-frontais que normalmente regulam a amídala são enfraquecidas pelo estresse, permitindo que o cérebro fique mais sensível ao estímulo emocional. O cérebro essencialmente sai do modo lento, mais pensativo, para o modo rápido, mais impulsivo e instintivo. Felizmente, se o estresse encerra, a habilidade cognitiva poderá retornar ao normal.
Porém, um estresse de longo prazo durante a infância, quando as regiões pré-frontais ainda estão se desenvolvendo, podem deixar importantes funções cognitivas, como o controle do impulso, a capacidade atencional, e a memória de trabalho permanentemente debilitadas. Um estudo recente, com um grupo de pessoas com 24 anos de idade que viveram a infância na pobreza e sob estresse de longo prazo, identificou que elas possuíam na média uma menor habilidade de regular a amídala. Ao comparar essa deficiência com a renda atual dessas pessoas, os pesquisadores não encontraram relação, sugerindo que ela foi causada na infância.
Outra linha de pesquisa tem explicado os efeitos do estresse sobre a habilidade cognitiva através da teoria de que a capacidade cognitiva de uma pessoa é limitada e que pode ser consumida com o uso, pelo menos temporariamente. Em experimentos, pessoas que são forçadas a exercer o auto-controle, um aspecto chave para a tomada de decisão no dia-a-dia, mostram evidências de redução do mesmo em tarefas posteriores. Alguns pesquisadores argumentam que a pobreza, devido à preocupação causada pelo estresse, é um estado que consome tanta capacidade cognitiva que pode exaurir o auto-controle rapidamente.
Essas descobertas oferecem uma oportunidade única para entender como os fatores ambientais podem levar a diferenças no desenvolvimento cerebral dos indivíduos. Também podem servir para melhorar programas sociais e diretrizes governamentais, no sentido de aliviar as disparidades causadas pelo nível socioeconômico na saúde mental e desempenho escolar ou profissional.
Fonte:
Hackman, Farah e Meaney, Socioeconomic status and the brain: mechanistic insights from human and animal research, Nature Reviews Neuroscience, 11 (Set 2010), 651-659
Kim e outros, Effects of childhood poverty and chronic stress on emotion regulatory brain function in adulthood, Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA, Nov 2013, 110(46):18442-7
A sabedoria popular diz que os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. E, nesses últimos anos, neurocientistas e economistas que pesquisam a relação entre a pobreza e o desempenho cognitivo têm encontrado algum fundamento para essa afirmação, bem como alguns fatores tratáveis que podem ajudar a romper com esse círculo vicioso.
O desenvolvimento do cérebro humano é determinado basicamente por dois fatores: a genética herdada dos pais e o ambiente no qual a pessoa é criada, desde a gestação até a vida adulta. O nível socioeconômico de uma família influencia diretamente o ambiente onde a pessoa é criada e, consequentemente, afeta a cognição, o desempenho escolar e a saúde mental.
Pesquisas sobre o nível socioeconômico identificaram alguns pontos que ajudam a explicar o seu efeito sobre o desenvolvimento do cérebro, os quais estão listados abaixo:
Cuidados dos pais: a qualidade dos cuidados prestados pelos pais tem demonstrado um efeito principalmente sobre o desenvolvimento emocional da criança.
Estímulo cognitivo: devido à plasticidade do cérebro, uma criança que cresce num ambiente onde recebe mais estímulos cognitivos, como jogos, livros, entre outros, consequentemente acaba tendo um melhor desenvolvimento cognitivo.
Nutrição: a ingestão de nutrientes e calorias influenciam os mecanismos relacionados à cognição e emoção. Famílias de baixa renda tem menos acesso a comidas saudáveis e possuem um risco maior de falta de comida e deficiência nutricional.
Exposição a toxinas: devido às condições mais precárias de moradia das famílias de baixa renda, é maior o risco de exposição a toxinas que afetam o desempenho cerebral, como acontece com o chumbo.
Estresse: famílias de baixa renda estão geralmente expostas a ambientes com níveis de estresse mais elevados, provenientes do estilo de vida, vizinhança mais perigosa, barulhos, entre outros fatores. Isto pode levar ao estresse crônico e afetar o desenvolvimento cognitivo de toda a família.
O efeito do estresse sobre o desenvolvimento cerebral tem sido muito pesquisado ultimamente e os seus efeitos sobre regiões específicas do cérebro estão cada vez mais claros. O córtex pré-frontal, mais relacionado a funções executivas, e a amídala, relacionada ao controle emocional, são bastante afetados pelo estresse. As regiões pré-frontais que normalmente regulam a amídala são enfraquecidas pelo estresse, permitindo que o cérebro fique mais sensível ao estímulo emocional. O cérebro essencialmente sai do modo lento, mais pensativo, para o modo rápido, mais impulsivo e instintivo. Felizmente, se o estresse encerra, a habilidade cognitiva poderá retornar ao normal.
Porém, um estresse de longo prazo durante a infância, quando as regiões pré-frontais ainda estão se desenvolvendo, podem deixar importantes funções cognitivas, como o controle do impulso, a capacidade atencional, e a memória de trabalho permanentemente debilitadas. Um estudo recente, com um grupo de pessoas com 24 anos de idade que viveram a infância na pobreza e sob estresse de longo prazo, identificou que elas possuíam na média uma menor habilidade de regular a amídala. Ao comparar essa deficiência com a renda atual dessas pessoas, os pesquisadores não encontraram relação, sugerindo que ela foi causada na infância.
Outra linha de pesquisa tem explicado os efeitos do estresse sobre a habilidade cognitiva através da teoria de que a capacidade cognitiva de uma pessoa é limitada e que pode ser consumida com o uso, pelo menos temporariamente. Em experimentos, pessoas que são forçadas a exercer o auto-controle, um aspecto chave para a tomada de decisão no dia-a-dia, mostram evidências de redução do mesmo em tarefas posteriores. Alguns pesquisadores argumentam que a pobreza, devido à preocupação causada pelo estresse, é um estado que consome tanta capacidade cognitiva que pode exaurir o auto-controle rapidamente.
Essas descobertas oferecem uma oportunidade única para entender como os fatores ambientais podem levar a diferenças no desenvolvimento cerebral dos indivíduos. Também podem servir para melhorar programas sociais e diretrizes governamentais, no sentido de aliviar as disparidades causadas pelo nível socioeconômico na saúde mental e desempenho escolar ou profissional.
Fonte:
Hackman, Farah e Meaney, Socioeconomic status and the brain: mechanistic insights from human and animal research, Nature Reviews Neuroscience, 11 (Set 2010), 651-659
Kim e outros, Effects of childhood poverty and chronic stress on emotion regulatory brain function in adulthood, Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA, Nov 2013, 110(46):18442-7
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