quarta-feira, 3 de junho de 2015

TDAH NO ADULTO – ESTUDOS RECENTES

Publicado por Maria Célia Becattini
Escrito por ABDA

TDAH NO ADULTO – O QUE DIZEM OS ESTUDOS RECENTES

Apesar do TDAH ter sido descrito pela primeira vez há mais de um século, estudos científicos ganharam força a partir dos anos de 1960, a exemplo de todas as questões médicas relativas ao funcionamento cerebral.

Sabe-se que no princípio, o TDAH era atribuído a uma disfunção da infância, portanto, ao longo dos anos as pesquisas científicas se debruçavam sobre esta população. Porém, nos últimos anos uma grande quantidade de estudos sobre TDAH têm sido focados na população adulta.

Este artigo resume os principais achados científicos sobre o TDAH no adulto (preferencialmente não diagnosticado e ou não tratado), em pesquisas e estudos recentes feitos no mundo todo.

ESTATÍSTICAS
Sabe-se que cerca de 2/3 das crianças com TDAH, seguem com os sintomas do transtorno na vida adulta. Nesta população, a taxa de agregação familiar (pais e/ou filhos que também têm o transtorno) é maior do que naqueles que entram em remissão.

Estudos apontam que 4,4% dos adultos, em todo o mundo, têm TDAH com quadro completo de sintomas.

Na questão de gênero, ao contrário dos relatos clínicos do TDAH em crianças, a relação de homens / mulheres com TDAH é de 1:1.

QUADRO CLÍNICO
O tripé ‘Desatenção, impulsividade, hiperatividade’ também está presente nos adultos, embora se apresente de maneira diferente. Na maioria dos adultos a desatenção é predominante em relação à hiperatividade.

A maioria dos adultos acabam por desenvolver estratégias compensatórias para lidar com seus déficits e os prejuízos por eles acarretados, especialmente os adultos que tem QI mais alto, condição socioeconômica estável e/ou outros fatores de resiliência.

Como os adultos em geral, têm mais autonomia do que as crianças, podendo optar por atividades de sua preferência, é comum que estes relatem dificuldade de foco em situações ou ambientes específicos e não em tudo.

A desatenção, tanto no adulto quanto na criança, é um sintoma e não a ‘causa’, como pode parecer. 
O comprometimento das funções
executivas é o centro do problema, afetando a atenção, mas não só a atenção. Este comprometimento afeta a capacidade de planejamento, execução de tarefas, organização, manejo do tempo, memória de trabalho, regulação emocional, iniciação de tarefas e persistência ao alvo. Nos adultos este comprometimento frequentemente aparece como dificuldade em terminar tarefas no prazo determinado, atrasos frequentes, esquecimento de tarefas planejadas, etc.



Infelizmente, este conjunto de dificuldades, costuma ser julgado pelos colegas de trabalho e ou familiares próximos, como ‘preguiça’, ‘desleixo’, ‘desinteresse’, etc. Esta percepção, faz com que adultos com TDAH não diagnosticados, enxerguem tais dificuldades como parte de sua própria personalidade, inibindo a busca por uma avaliação diagnóstica e acarretando sérios problemas na autoestima e autoconfiança.

A hiperatividade no adulto, é descrita como dificuldade em permanecer parado, comumente em situações específicas. Esta dificuldade em geral afeta o sono e atividades que exijam que fiquem parados por longos períodos, especialmente se tais atividades forem ‘obrigatórias’ ou algo que não os interesse em absoluto.

Vale ressaltar, que tanto crianças como adultos com TDAH, são capazes de ficar horas focados em uma mesma coisa, se esta coisa for prazerosa, estimulante e/ou cheia de novidades. É fundamental compreender que isto não se trata de uma livre e leviana ‘escolha’. Pessoas com TDAH têm uma deficiência químico-cerebral; quando estão diante de coisas ou atividades prazerosas, estimulantes e cheias de novidade, esta circuitaria cerebral é ativada. Em outras palavras, prazer e estímulo constantes, aumentam a produção química no cérebro de quem tem TDAH, compensando as deficiências.

Este ponto vale especial atenção, principalmente por duas razões: Primeiro, entender até que ponto existe liberdade de escolha diante de questões neurobiofisiológicas e, em segundo, o quão graves podem ser os prejuízos acarretados por esta necessidade orgânica em buscar prazer e estímulo constantemente.

Todos os seres humanos têm seu leque de escolhas na vida margeadas por questões sociais e biológicas. Grosseiramente comparando, a título de ilustração, quando estamos com sono, queremos deitar e dormir; quando sentimos fome, queremos comer; quando estamos com a pressão arterial muito baixa, sentimos necessidade de comer algo salgado. Estes são exemplo simples, que ocorrem com todo ser humano, e nem sequer questionamos. Mas, se pararmos para pensar, são ‘limitações’ orgânicas, contra as quais é muito difícil lutar, e às vezes impossível. O cérebro do TDAH não produz certas substâncias químicas na quantidade e velocidade necessárias para garantir o funcionamento equilibrado de certas atividades (funções executivas), por esta razão é ‘natural’, até óbvio, que o próprio corpo peça por atividades que compensem esta deficiência. Atividades que dão prazer ou estimulantes, aumentam esta produção química, trazendo esta sensação de equilíbrio ao cérebro.

Antes que uma pessoa desavisada julgue isto como algo ‘muito conveniente’, vamos lembrar que a busca constante por atividades prazerosas e/ou estimulantes, na maioria das vezes, acarreta mais prejuízos à vida do indivíduo do que benefícios. Sentar horas para jogar videogame pode ser uma atividade muito estimulante, entretanto, a dificuldade de controlar seu impulso, pode levá-lo a ser visto como preguiçoso, irresponsável e até mesmo perder o emprego, por exemplo. Mas existem atividades estimulantes que podem acarretar prejuízos ainda maiores e mais graves como abuso de álcool e drogas, busca desenfreada e impensada por sexo, compulsão alimentar, dirigir em alta velocidade, atividades de alto risco físico (participar de rachas de carro, sair com pessoas desconhecidas, ‘brincar’ com armas de fogo e objetos perigosos sem o devido preparo, praticar esportes radicais sem o devido preparo e aparato de segurança, etc.) e ou moral (mentir, entrar em lugares proibidos, transgressão da lei, etc.). Essas coisas aumentam o nível de adrenalina, causando uma sensação de equilíbrio ao cérebro do TDAH, podendo se tornar quase ‘compulsivo’. Ainda que saibam claramente o que é ‘certo e o que é errado’, muitas vezes, a necessidade de estimulação cerebral pode tornar quase impossível a um TDAH deixar de buscar o estímulo.

Um dos maiores prejuízos acumulados na vida do adulto com TDAH, está na necessidade frequente da troca de estímulos, se traduzindo em: troca incessante de empregos, términos abruptos de relacionamentos, dificuldade em terminar cursos universitários e falta de controle financeiro.

COMORBIDADES

Estudos informam que cerca de 75% dos adultos com TDAH apresentam mais de uma comorbidade, entre as mais comuns, depressão, ansiedade, compulsão alimentar, distúrbios do sono, drogadição e alcoolismo e dislexia.

Devido ao comprometimento em múltiplas esferas da vida, adultos com TDAH, apresentam baixa autoestima crônica e frequentemente quadros depressivos e ansiosos.

QUESTÕES LABORATIVAS / OCUPACIONAIS

O TDAH no adulto frequentemente apresenta um importante comprometimento nas esferas ocupacionais e laborativas a longo prazo.

Menor produtividade, maior número de faltas, maior número de acidentes de trabalho e maior número de demissões. As maiores queixas dos colegas de trabalho e patrões, se referem a baixa produtividade e procrastinação, falar demais ou falar na hora errada, não cumprir prazos, cometer erros por distração, dificuldade em priorizar, dificuldades em seguir regras, esquecer o que foi planejado ou combinado com a equipe. A dificuldade de regulação do humor, também aparece como queixa de humor instável.



VIOLÊNCIA E CRIME

Um dos quadros mais dramáticos de possíveis consequências para um adulto com TDAH não diagnosticado, é o desenvolvimento de comportamentos antissociais. Infelizmente, existe uma ligação, ainda que remota, entre TDAH em adultos e violência. Adultos com TDAH têm maior risco de se envolver em atos criminosos e agressões com potencial de transgressão da lei, denominados ‘acidentes críticos’.

Estudos revelaram que crianças com TDAH e TOD (transtorno opositivo desafiante), têm mais chances de desenvolver transtorno de personalidade antissocial quando adultos, no entanto, atos antissociais em adultos com TDAH, independem da presença de um transtorno de personalidade antissocial ou de abuso de drogas.

Estudos também relataram taxas entre 25% a 45% de pessoas com TDAH em populações carcerárias.

O ADULTO COM TDAH ALTAMENTE FUNCIONAL

Como foi dito no 
começo deste artigo, existem adultos com TDAH, que não tiveram diagnóstico e que, no entanto, tem uma vida bem desenvolvida; começam e terminam cursos universitários, desenvolvem carreiras e casamentos sólidos, tem filhos e qualidade financeira estável. Estes adultos foram capazes de desenvolver estratégias para compensar suas dificuldades, porém convém lembrar que esta capacidade para driblar o seu TDAH com estratégias de compensação, é oriunda de fatores de resiliência como alto QI, situação socioeconômica privilegiada, possibilidade de ganhar a vida com atividades dinâmicas e estimulantes, entre outros. Ainda assim, é comum que tais adultos relatem ‘se sentir aquém’ do que poderiam.

HÁ LUZ NO FIM DO TÚNEL

Infelizmente, o TDAH pode trazer consequências mais sérias e graves do que as pessoas costumam perceber a priori.

O primeiro passo para evitar desfechos mais graves do TDAH na vida adulta, é o diagnóstico precoce, e o consequente tratamento. O segundo passo é garantir uma transição do tratamento da adolescência para a fase adulta. Avaliar se o TDAH pode ou não ter entrado em remissão e traçar estratégias para esta nova fase da vida.

Para adultos com diagnóstico tardio, ou seja, aqueles que nunca tiveram diagnóstico durante a infância e adolescência e que, portanto, já acumularam muitos prejuízos, a primeira coisa a saber é que suas dificuldades têm um nome e têm tratamento. A terapia cognitivo-comportamental é fundamental para ajudar a desfazer as crenças que já se instalaram em seu sistema de crenças, quanto às suas habilidades e capacidades. Conhecer tudo sobre o transtorno é outra ferramenta para lidar melhor com ele. Tratar os sintomas das comorbidades, que em geral acompanham adultos com TDAH.

O grande problema do TDAH é colocar as pessoas em um grupo de maior suscetibilidade a uma série de consequências de leves a graves ao longo da vida. Porém o diagnóstico, tratamento e manejo adequados do transtorno, podem reduzir esta suscetibilidade, ao menos, para as mesmas proporções que qualquer indivíduo sem TDAH.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Transtorno de Décit de Atenção / Hiperatividade - Organizadores Nardi, Antonio E., Quevedo, João, Silva, Antônio G. - Porto Alegre: Artmed, 2015; Capítulo 7, pág 67 a 76 Autores: Nazzar, Bruno P., Mello, Fábia M. A.

Polanczyk, Guilherme; Rodhe, Luis A.; Epidemiology of attention-deficit/hyperactivity disorder across the lifespan. Cur Opin Psychiatry, 2007.

American Psychiatry Association. Diagnostic and statistical manual of mental desorders: DSM-5

Costa, Danielle S., Medeiros, Débora G. M. S., Alvim-Soares, Antônio, Geo, Lucas A. L., Miranda, Debora M.; Neuropsicologia Teoria e Prática, 2ª Edição, Artmed 2014; Cap. 12 Neuropsicologia do Transtorno do Déficit de Atenção / hiperatividade e outros transtornos externalizantes, pág 165 à 182

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