segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A estabilidade do cérebro

Publicado por Maria Célia Becattini

Pesquisadores identificam propriedades que garantem estabilidade e robustez de redes biológicas interconectadas, como as de neurônios



RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 18:18 12 de novembro de 2014

Um paradoxo que há tempos intriga estudiosos das chamadas redes complexas pode agora ter sido esclarecido por um grupo internacional de pesquisadores, entre eles físicos da Universidade Federal do Ceará (UFC): como sistemas naturais organizados em redes interconectadas, a exemplo do cérebro humano, funcionam de modo robusto e estável, se as teorias sobre esses sistemas sugerem que perturbações aleatórias seriam capazes de levar ao colapso redes desse tipo? O modo como os pontos que interligam essas redes se conectam uns aos outros explicaria a estabilidade do cérebro, propõem os pesquisadores em um artigo publicado na edição de setembro da revista Nature Physics.

A ideia de rede logo evoca computadores interligados. Mas, a rigor, todo conjunto de elementos conectados de modo que a atividade de um influencie a dos demais pode ser tratado como uma rede, do ponto de vista matemático. Para entender melhor como esses sistemas são formados, basta imaginar um conjunto de pontos, ou nós, interligados por arestas, dando forma a uma imagem semelhante a uma teia de aranha. No caso de uma rede de computadores conectados à Internet, por exemplo, os computadores seriam os nós, e os cabos e meios de transmissão, as arestas. Já as redes de redes são formadas por redes cujos nós se conectam aos nós de outra rede, que se conectam a outros nós de outras redes.

Embora pareçam abstratos, sistemas formados por redes interconectadas estão em todos os lugares, dando forma a redes de infraestrutura — como sistemas de redes elétricas — e redes naturais, como as neuronais. No caso do cérebro humano, certas redes de neurônios precisam trabalhar em conjunto para conciliar todas as atividades desempenhadas pelo órgão. A rede responsável pela visão, por exemplo, precisa estar em sintonia com a rede da audição, de modo que o cérebro faça a correlação entre os sentidos.

Em um sistema de redes interconectadas, no entanto, a interconectividade implica em uma interdependência entre os nós. “Se um nó em uma rede é danificado, os outros nós conectados a ele também o serão”, explica o físico José Soares de Andrade Júnior, do Departamento de Física da UFC e um dos autores do artigo. “Nesse caso, qualquer perturbação — ainda que mínima — em um nó poderia desencadear uma cascata de falhas, desintegrando redes interconectadas de forma abrupta.” Apesar dessas previsões teóricas, ele conta, sabe-se que muitos sistemas biológicos interagem uns com os outros por meio de sistemas de redes interligadas, trocando informações de um modo bastante eficiente e imune a falhas aleatórias, como no caso do cérebro.

No estudo, os pesquisadores investigaram modelos matemáticos de redes interconectadas para entender, do ponto de vista estatístico, que propriedades tornam as redes naturais mais estáveis que as criadas artificialmente pelo homem. Para isso, analisaram uma predição teórica, segundo a qual interligações confiáveis entre nós aumentariam a robustez dessas redes, independente das perturbações que possam afetá-las. Ou seja, mais importante que os nós seria o modo como eles estão conectados. “Conexões aleatórias entre redes interdependentes são consideradas perigosas, aumentando a fragilidade do sistema como um todo. Já as conexões confiáveis são correlacionadas de um modo específico”, explica José Andrade. Para serem consideradas confiáveis, essas conexões precisam dar conta de dois pressupostos.

O primeiro diz que as interligações entre duas ou mais redes devem ser feitas de tal modo que os nós com mais conexões em sua própria rede sejam também os conectados a mais nós em outras redes. Já a segunda premissa diz que, em duas redes, A e B, os nós da rede A devem ser mais propensos a se relacionarem com os nós da rede B que tenham mais conexões na própria rede B. Com isso, redes interconectadas funcionariam de modo robusto se os nós mais conectados de uma das redes estiverem ligados aos nós mais conectados da outra. Além disso, a segunda premissa também impõe que, estatisticamente, sítios (conjuntos de nós) muito conectados na rede A estejam conectados aos sítios com muitas conexões na rede B, enquanto sítios pouco conectados na rede A estejam conectados a sítios pouco conectados na rede B.

Os pesquisadores, então, aplicaram esta predição teórica na prática usando o cérebro humano e sinais funcionais obtidos por meio de técnicas de ressonância magnética funcional (RMf), que mede a atividade cerebral a partir de variações no fluxo sanguíneo regional. Em seguida, testaram a forma de interconexão entre as regiões cerebrais em dois experimentos. Em um, o cérebro estava em estado de repouso. No outro, executando tarefas. Verificaram que as redes cerebrais estavam conectadas de modo que a estabilidade era maximizada, em concordância com as premissas que determinam quando uma conexão é confiável ou não.

Neste caso, se um neurônio de uma das redes morre, outro o substituiria na conexão com a outra rede, já que o importante, do ponto de vista da predição teórica, não seria o neurônio, mas a interligação entre as regiões cerebrais que trocam informações. “Demonstramos que, se as interconexões são fornecidas por nós altamente conectados e as conexões são convergentes, o sistema de redes é estável e robusto a falhas.” Ele explica, porém, que estudos adicionais seriam necessários para avaliar como essa substituição se daria do ponto de vista fisiológico.

Ainda que possam ter resolvido um antigo quebra-cabeça, central para a existência e o funcionamento de redes biológicas interconectadas, os pesquisadores agora se veem diante de uma questão talvez ainda mais desafiadora: como poderíamos atribuir às redes de redes artificiais, como as do mercado financeiro, por exemplo, as mesmas características que garantem a estabilidade e a robustez às redes biológicas?

Artigo científico
REIS, S. D. S. et al. Avoiding catastrophic failure in correlated networks of networks.Nature Physics. v. 10, p. 762–7. set. 2014.

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