Postado por Maria Célia Becattini
Aprendizagem x Desenvolvimento
- Neuropsicológica da Dislexia do Desenvolvimento
Philip B. Gough e seu grupo da Universidade de Texas em Austin, - conscientes de que muitas crianças, antes de entrar para a escola, têm noções sobre os usos e funções da escrita, conhecem um pouco sobre a forma de sua ortografia e sobre a natureza do discurso - afirmam que o processo formal de aprendizagem da leitura se inicia quando as crianças começam a reconhecer palavras específicas. A aquisição da leitura é, primeiramente, a aquisição da habilidade de reconhecer palavras. É claro que, após o reconhecimento visual, o leitor tem de atribuir um significado e um valor sintático a cada palavra da sentença. Após o entendimento de cada sentença do discurso, deve relacioná-la a outras sentenças, integrar o conteúdo lido com o que já sabe e, dessa forma, assimilar o texto.
Acontece que os leitores já executam essas habilidades lingüísticas quando ouvem, portanto são habilidades do processo de compreensão em geral e não apenas da leitura. Por essa razão, Gough e seu grupo equiparam a aquisição da leitura, não ao reconhecimento de palavras, mas ao produto dessa habilidade e à compreensão - leitura (L) = decodificação (D) e compreensão (C), ou L = D x C. A decodificação refere-se ao uso eficiente da correspondência letra-som no reconhecimento de palavras e é vista como fundamental para o desenvolvimento da leitura.
Além de seu importante papel na alfabetização - como vimos, aprender a reconhecer e pronunciar palavras é uma das primeiras tarefas com que o aprendiz defronta - o interesse gerado por esse tópico tem, pelo menos, mais duas razões:
(1) a dislexia do desenvolvimento é tipicamente associada com déficits no processamento de palavras,
(2) o estudo das alterações no reconhecimento e produção de palavras, após uma lesão cerebral, oferece importantes evidências com referência às bases neuropsicológicas da leitura e da escrita e de como essas habilidades são processadas pelo cérebro, o que, por sua vez, tem levado à construção de modelos de leitura e de escrita.
- O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO
A questão da identificação da dislexia tem provocado um grande volume de debates e de argumentação. O critério de definição mais freqüentemente aceito é o da discrepância entre desempenho de leitura e de escrita em relação a inteligência e oportunidades educacionais, ou seja, consideram-se disléxicas as crianças que, embora aparentemente normais ou superiores em muitas áreas do funcionamento intelectual, e a despeito de encorajamento e oportunidades educacionais, ainda assim encontram extrema dificuldade na aprendizagem da leitura e da escrita.
Não há unanimidade quanto a considerar a dislexia como uma forma especial de dificuldade na leitura e na escrita - caracterizada por uma causa genética subjacente - que pode ser distinta de tipos mais gerais de dificuldades surgidas em decorrência de fatores educacionais, sociais, intelectuais e emocionais. Uma das abordagens usadas para esclarecer esse problema é a de Morton e Frith (1995), que formularam diagramas para explicar o que é dislexia, com três níveis de descrição: o biológico, o cognitivo e do comportamento.
A dificuldade observada na aprendizagem da leitura e da escrita e o fraco desempenho nos testes de leitura e de escrita pertencem ao nível do comportamento, enquanto as causas subjacentes a esse desempenho estão situadas no nível cognitivo - que também inclui fatores emocionais - e o nível biológico refere-se a observações e fatos relacionados ao cérebro.
Assim, segundo Morton e Frith, a dislexia é uma desordem do desenvolvimento que deve ser explicada a partir de uma origem biológica que causa um déficit cognitivo, o qual, por sua vez, resulta em um padrão particular de comportamento: anormalidade cerebral ----> déficit cognitivo ----> sinais de comportamento. As influências ambientais são vistas como atuantes em todos esses três níveis.
- Origem Biológica
Os fatores biológicos podem resultar de influências internas (genéticas) e de influências externas (ambientais). No que se refere a influências internas, a descoberta de um aumento de incidência de dislexia na mesma família e também a maior ocorrência entre gêmeos univitelinos em relação aos não univitelinos são evidências de que a anormalidade no cérebro pode ser de origem genética (Stevenson et al., 1987; Olson et al., 1989; De Fries, 1991; Cardon e cols. 1994). A hipótese de que uma anomalia genética influencia adversamente o desenvolvimento de áreas do cérebro tem sido investigada por Galaburda e seu grupo em estudos feitos em autópsias de cérebros de pessoas que sofriam de dislexia do desenvolvimento. Galaburda e cols. (1989) relatam o exame anatômico feito no cérebro de uma série de disléxicos e controles, em que observaram:
(1) que a assimetria direita-esquerda, normalmente encontrada nas áreas de processamento da linguagem (plano temporal), estava ausente nos disléxicos;
(2) que a área em volta da Fissura de Sílvio, à esquerda, era caracterizada por anomalias celulares;
(3) que as anomalias estavam também presentes nas vias visuais e auditivas (no núcleo geniculado médio e lateral).
O sistema nervoso, que possui propriedades inatas, geneticamente determinadas, também responde a modificações ambientais. Influências externas decorrentes, por exemplo, de problemas sócioemocionais, motivacionais e de deficiências educacionais podem causar no sistema nervoso alterações estruturais que, por sua vez, podem provocam alterações funcionais.
- O Déficit Cognitivo
A visão mais generalizada é de que a dislexia decorre de uma desordem de decodificação grafema-fonema resultante de um déficit fonológico subjacente que deve ser estritamente separado do comportamento observado: fraca consciência fonológica e lentidão e imprecisão no reconhecimento de palavras. Morton e Frith explicam que os déficits cognitivos devem ser separados do comportamento porque podem somente ser distantemente inferidos por não estar claro em que, exatamente, consistem. (Autora: Ângela M. V. Pinheiro/PROFALA)
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